sábado, 10 de julho de 2010

O rei da Boca do Lixo


Na década de 1950, quando as casas de prostituição eram permitidas, o mercado do sexo em São Paulo se concentrava nas ruas Itaboca e Aimóres, no bairro do Bom Retiro. Porém houve um bom prefeito que achou por bem pôr fim à Zona do Meretrício, e forçou as damas da noite a se aventurarem pelas ruas da cidade.

Proibidas de trabalharem na Zona (eis a provável origem do termo que designa as casas de prostituição), elas migraram para o bairro vizinho de Campos Elíseos, onde se espalharam pelas ruas e avenidas Timbiras, Duque de Caxias, Barão de Limeira, São João, General Osório, entre outras.

Ao mesmo tempo, um jovem de 21 anos, de corpo franzino e visual de professor universitário, era acusado de retalhar a navalhadas e assassinar o próprio pai. Esse era Hiroito de Moraes Joanides, autor e protagonista de “Boca do Lixo” (Labortexto Editorial, 2003).

Após ser inocentado da acusação (os culpados foram encontrados depois), Hiroito encontrara na vida boêmia e na companhia dos marginalizados o amparo que a sociedade o teria negado. Descrente de sua reinserção, o jovem de família abastada passa a fazer da malandragem, tornando-se o gerenciamento de prostíbulos, o tráfico e outros crimes o seu ganha pão.

Hiroito conquista respeito na Boca pela violência e inteligência que tratava suas relações. Porém se engana quem pensa Hiroito se tratar de um bandido sem princípios.

Em um de seus ataques de descontentamento em relação à degradação moral da marginalidade, cada vez mais violenta devido ao vício em anfetaminas, Hiroito saía às ruas aplicando surras e despachando desta para a melhor a escória da região.

Em meados da década de 60, após diversas passagens pela Casa de Detenção, algumas de alguns dias, outras, de alguns meses, Hiroito já era o bandido mais famoso de São Paulo.

A espetacularização de sua ira e revolta, ele atribui à imprensa amarela da época, que lhe dedicava páginas inteiras, alimentando o mito. “Não se entregará vivo”, “Reagirá até a última bala” era como os jornais costumavam relatar a caça do gato ao rato.

Em sua apoteose, mesmo com a polícia paulistana toda no seu encalço e com os jornais cobrando a sua cabeça, Hiroito se joga em uma busca por Zenaide, a companheira que o abandonara.

Ao seu lado, tem Carioquinha, uma jovem de menos de 20 anos, e Paulinho, um transviado oriundo dos pegas da rua Augusta. Juntos, os três passam dois meses rodando por São Paulo em busca de Zenaide e fugindo da polícia, alimentados por doses injetáveis de anfetamina.

Até que nosso Edward Bunker paulistano encontra sua queda.

Em seu livro, Hiroito faz uma análise de como a sociedade se relaciona com a prostituição; mostra as entranhas do submundo da capital paulista nas décadas de 60 e 70 por meio de personagens marginalizados; além de demonstrar como a degradação moral provocada pelo vício transformou o caráter dos marginais, tornando o homicídio um crime banal. O livro deve virar filme em breve.

Parte do que se sobrou da Boca do Lixo hoje serve de abrigo aos nóias da Cracolândia, o que comprova ser aquele um dos pedaços mais malditos desta cidade.

A chegada do automóvel pôs fim a hotelaria prostibular, espalhando as meretrizes pelos quatro cantos da capital. "A Boca do Lixo morrera? Não, pelo contrário, crescera assustadoramente. Hoje , ela ocupa uma área de 1.494 m2. Exatamente a área da cidade que mais cresce no mundo”, conclui Hiroito.

“Boca do Lixo” é um livro capaz de fazer o leitor pagar homenagem em frente à lápide de seu autor.

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